O advogado criminalista Vanildo José da Costa Júnior, que em sessão da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro, recebeu voz de prisão no dia 9 de novembro por desacato a autoridade, classificou o episódio como uma afronta à Constituição e um caso grave de cerceamento das prerrogativas dos advogados. Ao apresentar sua versão dos fatos em carta enviada à revista Consultor Jurídico, Costa Junior destacou que é necessária uma resposta por parte da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio.
O criminalista defende quatro réus acusados de participar da máfia do combustível. Durante a sessão do dia 9 de novembro, Costa Junior disse que usaria o seu direito constitucional de permanecer calado para protestar contra irregularidades na tramitação do processo. O relator da ação, desembargador Abel Gomes, entendeu a prática como desacato à autoridade e deu voz de prisão ao profissional.
Sobre o caso, o advogado afirmou que, como na tribuna é garantido ao advogado utilizar comparações e expor nulidades, tentou, como forma de protesto, utilizar exemplos e garantias de nulidade para sensibilizar a corte e tentar a reforma do julgado. “Jamais entrei em discussão com o desembargador; minha atuação, naquele momento, foi de defesa dos meus clientes e prerrogativas”, afirmou ele na carta.
Leia na íntegra a carta do criminalista Vanildo José da Costa Júnior.
Como advogado criminalista, sempre aprendi que o direito à defesa permite o silêncio, mesmo em estado de flagrante delito. É direito sagrado aduzir o silêncio, face à magna garantia.
Nas disciplinas básicas de Direito Penal, um caso clássico de homicídio causado por xingamento é muito comentado. O advogado criminalista doutor Tício interpela o juiz por duas horas na tribuna do júri, sempre com “Excelentíssimo senhor juiz! Excelentíssimo senhor juiz! Excelentíssimo senhor juiz!”. Sabe-se que, depois da incessante exclamação, o juiz deu voz de prisão ao advogado e, em seu duro ofício, saiu processado. Entretanto, absolveu seu cliente no voto do júri, quando sacramentou: “Ora, se passei duas horas chamado o juiz de forma nobre e ele mandou me prender, justifica-se meu cliente ter matado por um xingamento tão absurdo a que foi submetido.”
As lições aprendidas na universidade estão sempre se renovando na vida profissional, sobretudo numa profissão de liberdades, como a advocacia. A liberdade, para o advogado, é imprescindível face à natureza da profissão, tanto que o inciso IX do artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) profetiza: “sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de 15 minutos, salvo se prazo maior for concedido”.
Nesta terça-feira (9/11), em meio ao livre exercício do trabalho e investido de minha prerrogativa profissional, fui interrompido de exercer o direito de sustentação oral na tribuna da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, tendo sido conduzido pela Polícia Federal, onde foi lavrado um termo circunstanciado que culminará num processo por crime de desacato.
Vale frisar que, desde a sua sentença, em 2005, constam numerosas nulidades no processo causador do fatídico episódio. Os recursos que as aduziram foram destinados à Corte Especializada do TRF-2, que, ilegalmente, por decisão judicial, dividiu os 15 minutos de sustentação para todos os advogados, concedendo apenas um minuto e meio para cada advogado realizar a defesa técnica.
Diante de mais uma nulidade processual, o Superior Tribunal de Justiça, por óbvio, entendeu que houve cerceamento de defesa e determinou o retorno dos autos ao tribunal, determinando que outro julgamento fosse realizado com a observância do prazo da sustentação oral de 15 minutos para a defesa de cada réu.
Sendo assim, com a descida dos autos, no segundo dia de julgamento (9/11), ao abrir a sessão, apresentei-me para a defesa dos meus quatro clientes, fato que me daria sessenta minutos de sustentação. Como entendo que qualquer modificação do processo só poderá ocorrer através de uma metanoia processual, o que só é possível nas Cortes Superiores, entendi que a melhor forma de defesa, naquele momento, era aduzir as nulidades e o desrespeito às garantias processuais, zelando pelo direito à defesa de meus clientes e utilizando argumentos técnicos, que eivam de nulidade o processo.
Assim, é importante ressaltar que mais uma vez não me foi dada a oportunidade de ampla defesa, haja vista a cassação de palavra, a interrupção da sustentação e o desligamento do microfone a que fui submetido na ocasião. Tive cerca de 50 minutos interrompidos, o que confere um caráter ilegal à atitude da União. Mais uma vez, através de um de seus órgãos, ela cerceou o mais sagrado direito dos meus clientes: o direito à ampla defesa, contraditório, devido processo legal e defesa técnica. Até o presente momento, o Colegiado vem descumprindo a determinação do Tribunal da Cidadania, trazendo mais uma nulidade ao processo e lesionando a prerrogativa do inciso IX do artigo 7º do Estatuto do Advogado, o que gera prejuízo inestimável e é uma afronta à Constituição.
Como na tribuna é garantido ao advogado utilizar comparações e aduzir as nulidades, tentei, como forma de protesto, diante de um dogma intransponível, utilizar exemplos e garantias de nulidade para sensibilizar a Corte e tentar a reforma do julgado. Por isso, utilizei a figura do silêncio como metáfora, como também poderia utilizar qualquer outra figura constitucional para aduzir a nulidade, retratando o absurdo processual à luz da teoria das nulidades.
Jamais entrei em discussão com o desembargador; minha atuação, naquele momento, foi de defesa dos meus clientes e prerrogativas. Tive o meu direito à sustentação cassado, fui retirado da sessão arbitrariamente e preso, tudo em confronto ao parágrafo 3º do artigo 7º do Estatuto – proibição da prisão. Fui escoltado por um delegado da Polícia Federal e seus agentes, saindo do tribunal dentro de um camburão, e ficando meus clientes desassistidos, sem qualquer defesa técnica, com os demais advogados se sentindo coagidos e amedrontados com o ocorrido.
Insta salientar que o mandamento do Estatuto da Advocacia, que tem estatura constitucional, não permite esse tipo de situação. Não devemos ter medo de falar o que quer que seja para quem quer que seja. O advogado deve exercer sua advocacia com liberdade (artigo 7º). O que está em risco não é apenas o restabelecimento da minha moral, mas as prerrogativas dos advogados.
No primeiro dia de julgamento (8/11), o brilhante advogado doutor Alberto Louvera, após observar a necessidade da importância da leitura do relatório, e evitando mais uma nulidade processual, exercendo o seu múnus constitucional (artigo 133 da Constituição), foi advertido e proibido de se retirar da sessão – mais atitude ilegal do órgão, que afronta, por conseguinte, a garantia da alínea a do inciso VI do artigo 7º do Estatuto da Advocacia.
As sucessivas práticas abusivas cometidas neste processo agridem as prerrogativas dos advogados. A referida Corte, que, num primeiro momento, tentou fracionar o tempo de sustentação concedendo apenas um minuto e meio – salvo anulação do STJ –, proibiu ilegalmente a retirada de um advogado da sessão no primeiro dia de julgamento, e deu voz de prisão a outro, durante sua sustentação, no segundo dia. É válido ressaltar que a sustentação oral foi interrompida com condução coercitiva da delegacia da Polícia Federal. E mais: como testemunhado por mim e diversos colegas advogados, o desembargador Abel Gomes chamou a presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ, doutora Fernanda Lara Tórtima, de “bucha de canhão”.
Por fim, diante de atitudes injustificáveis, é hora de falar para que sejam tomadas as providências cabíveis e pertinentes, sobretudo porque, afora as ilegalidades e ofensivas, as prerrogativas foram violentadas. É extremamente necessário que haja forte resposta por parte da seccional da OAB-RJ.
Vanildo José da Costa Junior