segunda-feira, 21 de maio de 2012

Sem contingente, Maré Vermelha não fiscaliza e só traz prejuízos




Há três anos sem concursos para fiscais aduaneiros, operação “padrão” apenas testa paciência de importadores 

Operação padrão. É como empresários e pessoas ligadas à Receita Federal estão chamando a operação Maré Vermelha, deflagrada em março deste ano. De acordo com os depoimentos colhidos pela reportagem do BRASILECONÔMICO, existe uma inaptidão técnica e quantitativa nas aduanas brasileiras, ou seja, faltam fiscais, o que traz prejuízos aos importadores.

Desde então, produtos têxteis, ópticos e plásticos, calçados, brinquedos, eletroeletrônicos, máquinas e pneus passam por uma fiscalização mais rigorosa da Receita. Com a obrigatoriedade de passar por conferência física e análise da documentação, as cargas ficam retidas nos portos por mais de um mês. O volume de contêineres redirecionados para o canal vermelho da Receita aumentou em mais de cinco vezes e problemas com a estocagem das mercadorias começam a preocupar os importadores. 

Segundo Moisés Hoyos, diretor do Sindicato dos Funcionários da Receita Federal, o pequeno contingente é o pior dos problemas que a operação evidenciou. Há três anos sem a realização de concursos públicos, a defasagem no número de funcionários já chega a 8 mil. “O que aconteceu foi apenas o aumento da conferência física. Não há uma análise de risco, com histórico das empresas. Se antes já não era possível fiscalizar de maneira minuciosa as possíveis fraudes nas importações, com a operação isso ficou completamente inviável”, declara Hoyos. 

De acordo com o diretor, não há uma avaliação real dos principais crimes no comércio exterior: o subfaturamento e a prática de dumping — a comercialização de produtos por preços inferiores ao seu real valor de mercado. “Cada fiscal faz a conferência à sua maneira. É tudo muito subjetivo. Ambos os crimes são de difícil avaliação.” 

Questionada, a Receita Federal afirma que a escassez de contingente afeta todos os órgãos que trabalham nas fronteiras brasileiras e concorda que a situação foi extremada pela operação. A expectativa é de que a aprovação da proposta do Adicional de Fronteira, que aumenta os salários de funcionários que trabalham nas regiões fronteiriças, melhore a situação das aduanas. “A Receita aguarda decisão do governo”, diz o órgão. 

De acordo com o ex-secretário do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan Ramalho, a operação foi uma surpresa. “O sistema sempre foi muito eficiente. A receita tinha alcançado uma redução de tempo no desembaraço, com modernização do processo. Isso atrapalha até mesmo a produção nacional, que depende muito das importações”, afirma Ramalho, que atualmente preside a Associação Brasileira das Empresas de Comércio Exterior (Abece). 

Desestímulo 

Gustavo Dedivitis, presidente da Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Bens de Consumo (Abcon), diz haver uma tendência do governo em retalhar importadores de produtos populares. “Sou favorável à fiscalização, mas isso é uma operação padrão. São milhões de produtos que estão parados nas aduanas de forma errada, porque eles não sabem fiscalizar. De um dia para outro, 70% dos contêineres passaram a ser encaminhados para o canal vermelho. Isso só beneficia contrabandistas.” 

Os produtos contemplados na Maré Vermelha parecem ter sido escolhidos a dedo pela Receita. Nos últimos três anos, a importação das mercadorias abrangidas pela operação dobrou. “É uma salvaguarda branca, implícita. Isso está fazendo com que importadores de oportunidade saiam do comércio internacional”, avalia Dedivitis. 

Dois meses após deflagrada a Maré Vermelha, a Receita Federal ainda não possui qualquer relatório sobre os resultados da operação.

Custo aumenta em US$ 3 mil por lote, diz empresário 

Importador de ferramentas reclama da retenção de cargas antes consideradas regulares 
“Antes, 90% das minhas mercadorias passavam direto para o canal verde (eram liberadas). Agora, 80% estão retidas pela Maré Vermelha”. A declaração de Pedro Unger, diretor da Importadora Eda, evidencia o pouco critério adotado pela Receita Federal para fiscalizar os produtos contemplados na operação. No caso da Eda, dezenas de contêineres com ferramentas industriais estão à espera da liberação dos fiscais aduaneiros. 

“O que me intriga é que a inteligência da Receita deve ter relatórios indicando as empresas fraudadoras. Agora, devido a essa restrição aos importadores, cheguei a ficar três semanas sem qualquer produto para vender para meus clientes. Foram contratos com varejistas e atacadistas que fui obrigado a deixar de cumprir”, reclama Unger. 

O custo com o atraso, diz o empresário, chega a US$ 3 mil por contêiner parado no porto de Santos. “Quem importa já com o frete fechado pelo agente de carga tem um prejuízo ainda maior que o meu”, diz. 

Segundo o consultor de Comércio Exterior, Vivaldo Cardoso Piraino, a operação trouxe preocupação a seus clientes. “O principal problema é a expectativa de liberação das mercadorias. Não é possível prever em quanto tempo as cargas serão liberadas”, avalia. 

Contudo, diz Vivaldo, os empecilhos se restringem à demora na fiscalização pelos fiscais. “A liberação acaba acontecendo. Ainda não tive qualquer problema com retenção de cargas ou multas. Como alguns importadores têm um volume muito grande de carga, a espera para retirar a mercadoria traz complicações maiores. Alguns têm um frete fechado para 15 dias após o navio atracar no porto. Se passar disso, o importador paga a conta.”.

(aspas)

Por : Gustavo Machado (colaborou Cristina Carvalho), Jornal “Brasil Econômico” 21/05/2012 

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