Empresas solidamente instaladas no Brasil, com produção para o mercado interno e para exportação, têm enfrentado maior demora na liberação de contêineres com peças, componentes, máquinas e ferramentas, sobretudo no setor de bens de capital para construção. Aos cinco dias úteis habitualmente gastos na liberação das cargas, a alfândega vem acrescentando mais dois, com a operação Maré Vermelha, que apertou a fiscalização em todo o país. O retardo no desembaraço das mercadorias já ameaça provocar congestionamento, agravando problemas crônicos em portos como o de Santos, segundo relatou a repórter Fernanda Pires, no Valor.
É salutar a preocupação do governo com a proteção à indústria brasileira e ao mercado nacional, contra a competição desleal e os importados de má qualidade; mas declarações das autoridades levantam desconfianças de que o governo está tentado a usar mecanismos legítimos de defesa comercial como manobra burocrática para aumentar o custo dos produtos importados.
"Queremos impedir a avalanche de produtos têxteis e calçados", afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na cerimônia em que anunciou, no começo do mês, as medidas de apoio à indústria nacional. Na ocasião, garantiu que seriam compatíveis com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) as operações da Receita Federal contra importações "fraudulentas", como a própria "Maré Vermelha", a "Panos Quentes III", a "Passos Largos" e a curiosamente denominada "Fronteira Blindada".
Outras repartições foram engajadas no controle de aduanas: em acordo com a Receita, o Inmetro passou a apertar a fiscalização, especialmente de produtos chineses, exigindo comprovação de cumprimento das normas técnicas brasileiras antes da entrada no país. Potencialmente, podem sofrer maior controle 240 mil modelos diferentes de produtos, de cerca de 400 famílias de mercadorias. É outra medida aceitável pelas normas internacionais, desde que mantida sua finalidade técnica, de evitar importação de mercadorias em desacordo com as normas exigidas de fabricantes e comerciantes no país.
As últimas movimentações nas alfândegas brasileiras coincidem com o uso, na Argentina, pelo governo local, de procedimentos técnicos como manobra para retardar, ou até impedir, a entrada de importações regulares. O Brasil é uma das vítimas desse procedimento, e se avolumam em Brasília queixas de empresários por causa de mercadorias retidas por mais tempo que os 60 dias admitidos como prazo máximo pela OMC.
Para quem enfrenta ameaças de crise no balanço de pagamentos e não hesita em usar métodos heterodoxos de intervenção na atividade econômica, a Argentina tem sido bem-sucedida: em março, conseguiu reduzir as importações em 8%, o que garantiu a duplicação do superávit comercial no mês, para pouco mais de US$ 1 bilhão, apesar do comportamento medíocre das exportações do país. Mas o uso de recursos pouco transparentes e arbitrários, como a longa retenção, sem explicações, de mercadorias nas alfândegas, impõe um custo ainda difícil de medir para a atividade econômica local, além de abrir portas à corrupção.
No Brasil, o recurso às importações tem sido a maneira encontrada por muitas empresas para aumentar sua eficiência (com máquinas e componentes de tecnologia inexistente no Brasil), além de preservar a viabilidade de suas operações, ameaçadas pelo custo crescente em dólar da produção no país. Em 2011, as importações de máquinas e equipamentos para a produção e de matérias-primas e bens manufaturados representaram pouco mais de 66%, ou dois terços das importações brasileiras totais, percentual que se manteve no primeiro bimestre deste ano, com pequeno aumento nas compras de bens de capital. Engarrafamento nos portos cria mais problemas às fábricas que aos shopping centers.
As demoras criadas com a operação Maré Vermelha acendem a preocupação de quem imagina identificar em Brasília uma inquietante tentação de seguir exemplos lançados desde Buenos Aires. É de se esperar que o governo, sem abdicar da tarefa de controlar a entrada de mercadorias no país, tome providências para aumentar a eficiência no desembaraço de insumos e mercadorias essenciais para a competitividade da produção nacional e da economia brasileira.
(aspas)
Fonte : Jornal "Valor Econômico" 30/04/2012
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