quinta-feira, 17 de maio de 2012

Empresas têm prejuízo com "Maré Vermelha" da Receita.


Matéria da revista Veja de 5.5.


Sem auditores em número suficiente, operação para combater fraudes na importação traz custos adicionais para empresários e entope terminais. (Naiara Bertão)

Porto de Santos: São Paulo é o estado com maior volume movimentado (Germano Luders)

Um mês atrás, figurões da República, entre os quais a própria presidente e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, divulgaram com pompa em Brasília um pacote de medidas para estimular o setor industrial. Passando por reduções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para alguns segmentos e desonerações de folhas de pagamento a outros, Mantega ressaltou em seu discurso as chamadas medidas de defesa comercial que o Planalto vinha tomando e que seriam intensificadas. Uma delas ganhou especial destaque. Descrita como a “maior operação já executada contra fraudes no comércio exterior”, a operação Maré Vermelha da Recei ta Federal foi elogiada pelo ministro – justo ela que se tornou um tormento ao empresariado nacional e também a qualquer um que queira comprar algo de outro país por meio de portais de comércio eletrônico. Grosso modo, o Fisco, que trabalha por amostragem, ampliou seu escopo de fiscalização manual. O governo está correto em fechar o cerco aos fraudadores, mas não houve investimento suficiente em pessoal e equipamentos para dar conta da tarefa. Em resumo, a liberação das mercadorias mostra lentidão sem precedentes. E para os empresários, essa demora é prejuízo na certa.

O governo já não esconde mais sua preocupação com o que considera um “surto de importações” e flerta com tentações protecionistas. Duas semanas atrás, o Planalto chegou ao cúmulo de sacrificar as finanças de importantes estados brasileiros, com forte vocação para o comércio internacional, ao articular a aprovação no Senado de uma Resolução que retira seu diferencial competitivo na atração destes bens. Tudo para atingir o objetivo de barrar as importações. Desde março, quando começou a Maré Vermelha, a Receita Federal tem atingido um duplo objetivo ao apertar a fiscalização manual dos importados. Ao mesmo tempo em que conseguiu expandir a arrecadação de impostos ao pegar mais casos de fraudes e irregularidades, sua atuação levantou mais uma barreira às livres transações do país com outras nações.
O que tem tirado o sono de membros do Poder Executivo são os números da balança. As compras externas subiram 24,5% em 2011 na comparação com 2010, para 226,2 bilhões de dólares. O crescimento foi próximo ao das vendas ao exterior, que somaram 256 bilhões de dólares, após alta de 26,8%. No acumulado deste ano até abril, o páreo da balança comercial continuou apertado. Foram importados 71,32 bilhões de dólares e exportados 74,64 bilhões de dólares. O ponto que mais incomoda os que anseiam “proteger” a indústria brasileira é a diferença de ritmo. Enquanto os embarques mostraram acréscimo de 4,54% ante o primeiro quadrimestre de 2011, os gastos co m importados deram um salto de 7,42%. 

Caos portuário – Como o real continua relativamente valorizado ante o dólar e o produto estrangeiro, na maioria esmagadora das vezes, é melhor e mais barato, as companhias brasileiras não estão deixando ainda de comprar produtos de outros mercados. O que está acontecendo é um quadro caótico de sobrecarga nos armazéns das zonas portuárias e prejuízos com os atrasos na liberação. “Os terminais de armazenamento estão ficando sem espaço, superlotados. Está muito difícil conseguir um ‘canto’ para as novas cargas”, alerta Gerson Viscardi, que é dono da Broker Solutions – consultoria especializada em desembaraço aduaneiro.
Viscardi conta que um de seus clientes, que pagaria 6 mil reais para deixar seus produtos importados em um terminal no Porto de Santos (SP), precisou alugar o espaço por período adicional por conta da morosidade com que o auditor alfandegário levou para liberar a mercadoria. Resultado: a conta saiu por mais que o dobro do previsto, 15,9 mil reais. “A Receita aumentou muito a fiscalização em Santos, mas muitos dos agentes que vieram para cá são recém-formados ou com experiência em outras áreas, como em Imposto de Renda ou setor tributário”, afirma. “Com isso, a vistoria que um agente experiente gastaria duas horas para fazer se transforma em até dois dias quando se trata de alguém novo na área”, critica.

O especialista em comércio exterior Welber Barral, da Barrral M Jorge Consultores Associados, lembra que não é de hoje que os portos nacionais têm sido um tormento aos empresários. “Em 2005, o Brasil importava 15 bilhões de dólares. Hoje, são 200 bilhões de dólares. Demos esse alto sem nenhum porto ou aeroporto novo. A consequência é o conhecido gargalo, com infraestrutura sobrecarregada”, afirma.

O lado da Receita – Dário Brayner Filho, coordenador-geral de Administração Aduaneira da Receita, explicou ao site de VEJA que, no início do ano, foi constatado que havia mais cargas irregulares do que anteriormente se suspeitava. Desde então, decidiu-se por aumentar (por tempo indeterminado) o escopo de produtos analisados via ‘canal vermelho’ – nome dado ao mais exigente dos níveis fiscalizatórios da Receita em portos e aeroportos. “Desde quando começamos a operação [em 19 de março], estamos fiscalizando um volume 77% maior de mercadorias no canal vermelho que no ano passado", afirma. Os casos de fraudes apreendidas (origem ou valor falsos, por exemplo) subiram 800% no mesma base de comparação, passando de 39 declarações em março de 2011 para 359 casos neste ano.
Segundo Vitor Hugo Mauch, sócio da consultoria Altra Importação & Exportação, o problema não reside no aumento de fiscalização em si, mas sim no número aquém do necessário de auditores aduaneiros. De acordo com Receita Federal, 56 servidores de outras áreas do órgão foram direcionados para trabalhar especialmente no Porto de Santos – o de maior volume de carga no país, com aproximadamente 30% do total movimentado. Nas próximas semanas, outros 40 profissionais da Receita serão deslocados para os portos de Vitória (ES), Itajaí (SC) e Rio de Janeiro (RJ).
Cada agente da Receita inspeciona em média cinco contêineres por dia. Com o pequeno número de profissionais e o despreparo já apontado por Jerson Viscardi, o desembaraço de uma carga pode levar até o dobro do tempo que antes tomaria. Os custos para a importação no Brasil, que já estão entre mais altos do mundo, sobem ainda mais. Diante disso, as importadoras estão precisando se justificar para seus clientes sobre os atrasos, uma vez que eles também dependem das mercadorias para dar continuidade a sua produção. Este é o caso da Borges & Katayama – empresa que importa equipamentos para sistemas de filtragem química e mecânica de ar e desenvolve projetos em purificação e eliminação de odores para grandes companhias.

Prejuízo duplo – Paulo Borges, sócio da empresa, conta que tem sido prejudicado em duas frentes: no aumento dos custos e consequente diminuição das margens de lucro e também no descontentamento de seus clientes com os prazos maiores de entregas. A Borges & Katayama importa basicamente máquinas e tem como principais clientes as indústrias de papel e celulose. “Não podemos repassar integralmente os custos aos nossos clientes porque, se criarmos barreiras, eles vão comprar diretamente no mercado externo; precisamos incorporar em nossos gastos”, fala.

Em alguns casos, porém, o consumidor é quem paga a conta, como no setor têxtil. Algumas empresas do ramo dependem de insumos vindos do exterior para produzir peças de vestuário e vender no varejo. O aumento de custos, ainda que demore, acaba sendo repassado ao preço final das mercadorias. Além dos têxteis, produtos como eletrônicos, calçados e químicos são os mais fiscalizados.

Medicamento estragado – No caso da multinacional alemã Bayer, o prejuízo assume contornos dramáticos. O laboratório tem visto estragar contêineres inteiros em medicamentos importados nos terminais portuários. A explicação é que os prazos de validade vencem enquanto se aguarda a liberação de mercadorias nas alfândegas. A afirmação foi feita pelo próprio presidente da companhia no Brasil, Theo Van der Loo, em evento em São Paulo (SP) em abril.

Construção civil – A indústria de construção civil também está sofrendo ‘na pele’ os efeitos da Maré Vermelha. Ênnio Crispino, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Equipamentos Industriais (Abimei), conta que a liberação da importação de tratores, retroescavadeiras e escavadeiras está demorando até duas semanas, contra cinco dias, no máximo, anteriormente. O prejuízo tem ido para a conta das construtoras.

Crispino explica que, no setor, uma máquina importada sai no Brasil por um valor 50% superior ao praticado em seu país de origem por causa de impostos e fretes. Como se não bastasse, os atrasos nos portos estão acarretando às empresas gastos adicionais de até 1% sobre os valores de fatura das máquinas devido a custos de armazenagem e manuseio. “A associação não é contra a fiscalização, mas o país é prejudicado com esses atrasos injustificados. Falta critério de fiscalização; não há motivos para punir a todos”, diz Crispino.

No caso específico do setor de máquinas, existe outro fator importante a se considerar: os equipamentos importados acabam balizando os preços dos nacionais porque os produzidos localmente são mais caros, mesmo considerando os altos custos para se importar. A concorrência não permite que eles subam ainda mais. “Mesmo mais caros, os nacionais [maquinários] levam vantagem porque o governo subsidia o financiamento das máquinas brasileiras com ajuda do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social] e a parcela cabe no bolso do empresário”, explica o presidente da Abimei. Ao optar pela importação, as companhias precisam desembolsar de uma só vez o pagamento do frete, impostos e agora arcar com os custos do atraso na liberação da mercadoria.

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