terça-feira, 25 de outubro de 2011

Defesa comercial empaca na Justiça

Medidas para proteger produtores nacionais contra importados são derrubadas por liminares e ficam anos paradas nos tribunais

A política de defesa comercial do governo, que tenta dificultar ou encarecer importados, esbarra na Justiça e na lentidão do governo em derrubar liminares que beneficiam importadores. As dificuldades atingem tarifas de proteção da indústria que vão do alho, cujos produtores brigam há mais de 15 anos na Justiça, a produtos químicos, como o éter monobutílico de etilenoglicol, que a americana Dow conseguiu driblar com uma liminar. Até importadores de calçados esportivos questionam tarifas no Judiciário.

Cerca de 100 mil trabalhadores rurais perderam o emprego na lavoura de alho desde 1994, segundo o presidente da Associação Nacional dos Produtores de Alho (Anapa), Rafael Jorge Corsino, como resultado de uma avalanche de liminares da Justiça permitindo a importação do produto sem pagamento da tarifa antidumping. Durante anos, a associação tentou alertar o governo, mas sempre houve demora em derrubar as liminares.

"A impressão que tenho é que existem muitas instituições e muitos órgãos de faz de conta", afirmou. "Algumas pessoas que estão no governo não gostam de trabalho, elas te recebem, prometem um monte de coisa e depois que você sai da sala viram as costas, guardam o material na gaveta e esquecem."

Alho da China. Em 2009, a Anapa pediu ao Supremo que eliminasse a competência da Justiça para as medidas relacionadas com o antidumping de alho. Os importadores de alho da China prometeram à Corte que cessariam as liminares e que uma decisão do STF não seria necessária. A partir daí, disparou a entrada de alho mais barato da Argentina, Europa, Peru e até de Taiwan, que não produz a planta.

Desde março a Anapa reclama com a Receita Federal, sem resultado.

"O Brasil tem uma das autoridades investigadoras de comércio mais respeitadas e competentes do mundo e nunca perdeu um caso sobre defesa comercial na Organização Mundial do Comércio", afirmou o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior.

"É um processo longo, complexo, com variáveis econômicas que dificilmente podem ser analisados em liminar", disse o consultor.

Éter. O caso do éter monobutílico demonstra como uma decisão liminar da Justiça, na prática, inviabiliza a tarifa antidumping e permite que as importações continuem altas, prejudicando a indústria. Em outubro de 2010, a Dow obteve uma liminar da 1ª Vara Federal de Santos.

A partir de então, a empresa deposita em juízo o valor da chamada tarifa antidumping. Mas como a exportação é feita pela Dow norte-americana para a Dow brasileira, a empresa consegue formar melhor o preço sobre o qual incide o imposto e na prática não é prejudicada. As importações continuam subindo.

"A Dow objetiva com a ação questionar aspectos estritamente legais/processuais atinentes apenas a este processo, e, de forma alguma debater qualquer política governamental ou de comércio exterior", informou a Dow por e-mail. "A Dow acredita que cabe a reavaliação pela Camex, que impôs direitos antidumping nas importações."

Segundo a economista Josefina Guedes, diretora da consultoria internacional Guedes, Bernardo, Mamura e Associados, a busca pelos tribunais em caso de defesa comercial "está acontecendo cada vez mais porque cada vez mais o Brasil está utilizando esse instrumento." Ela defende que os juízes sejam especializados para evitar que decisões técnicas sejam prejudicadas.

"Existe uma necessidade de que a Justiça comum tenha juízes especializados na área de direito internacional público, nas regras da OMC e do Mercosul."

Calçados. A contestação às tarifas impostas pelo governo para proteger a indústria também atinge a área de calçados esportivos. O STJ concedeu liminar para a Alpargatas depositar em juízo o valor da sobretaxa. "A decisão da Camex tem um viés político", avaliou Gumercindo Neto, presidente da Associação Brasileira de Artigos Esportivos.

"Historicamente, toda vez que os processos se baseiam em questões políticas e não técnicas o consumidor, no fim da história, paga a conta."

(aspas)





Por : Iuri Dantas, de  Brasília, Jornal “O Estado de S. Paulo”, 23/10/2011

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